domingo, 5 de julho de 2015

Curl



Podia ser da moda e mostrar o novo visual.

Comigo as palavras mostram melhor. Visualização.

Decidi abraçar a ondulação, tornar-me rebelde, sem tempo nem paciência para constantes imposições.

Sou eu.

sábado, 4 de julho de 2015

Dona J.



A Dona J. era amiga da família desde que eu me conheço.

A primeira recordação que tenho dela é por um presente. Era um mergulhador cor de laranja mecânico que usava na banheira no banho. Ele nadou imenso. Primeiro perdeu as barbatanas, depois as pernas e depois um braço. O outro dia, em arrumações, a minha mãe encontrou-o na caixa de brinquedos antigos e deitou fora o corpo inanimado.

A primeira vez que a vi pessoalmente veio passar férias cá a casa. Mostramos-lhe a ilha, conversava muito comigo e com o meu irmão. Contou-nos histórias serenas. Da sua infância.

Continuamos sempre o contato. Telefonemas de sábado à noite intermináveis em que desabafava com os meus pais sobre a amante e a outra família assumida do marido, dos divórcios dos filhos, do orgulho misturado com incompreensão dos netos. Onde perguntava por todos os meus familiares pelo nome.

Quando fui viver para o Porto visitava-a algumas vezes. Levava-lhe chá e conversávamos, mostrava mais fotografias das bisnetas.

Fui ao funeral do marido militar onde ela fez questão de me segredar que "a dinamarquesa" estava naquele momento num avião para a última despedida do homem da sua vida.

Esteve presente na minha queima das fitas e continuou a dar-me presentes simbólicos. 

Fui vê-la da última vez que estive no Porto. Não me reconheceu. Impressionou-me o estado a que chegou.

A sua errática altivez estava presa numa cama, com pensamentos confusos. Não me reconheceu. Impressionou-me imenso não querendo recordar aquela imagem. Preferia a segurança a que nos sempre habituou. O sorriso sensato e vivido.

Seria a última vez que a via, que lhe falava e beijava a testa.