Não sou de pedir presentes, nunca fui de escrever cartas ao Pai-Natal. Claro que gosto de recebê-los mas principalmente que seja surpresa e não precisam de ser muitos.
Neste Natal não pensei em nada, não quero nada. Só tenho alguns desejos para o ano-novo que envolvem o(s) mesmo(s) de sempre.
Mas querido menino Jesus, se não for pedir muito, ia ficar muito feliz, se no sapatinho aparecesse aquilo que tu sabes. E até pode vir com algum atraso.
Há coisas que nunca pensamos dizer. Particularmente porque nos custaram passar por elas e pensamos que não as queremos repetir. Mas pode ser mentira.
Hoje tive saudades de fazer exames da faculdade.
Da sensação, da adrenalina.
Da espera esmagadoramente ansiosa que me fazia respirar por uma narina (a esquerda), segundo a técnica de ioga, para relaxar.
Da caneta irrequieta que procura a melhor posição entre os dedos contidos e rígidos.
Sempre gostei de olhar em volta nestas alturas. Parava imensas vezes, tirava os olhos do papel que iria decidir imenso, e ficava a ver os outros, as suas atitudes. Os que cabulavam descaradamente, os “marrões” que não levantavam a cabeça durante o tempo todo, os meus amigos em quem tentava perceber o que sentiam e revivia frases durante o estudo em conjunto… Dava para sentir o nervosismo a transpirar por todos os poros e a transpor as paredes bege daqueles anfiteatros.
Muitas vezes fui apanhada. Pelos professores, que também não escapavam às minhas tentativas de leitura de pensamento. Alguns sorriam, outros exerciam o seu pseudo-poder académico de supervisores. Tinha medo que achassem que estava a tentar copiar e me anulassem a prova. Muitas vezes baixei os olhos e continuei a visualizar em redor. Muitas vezes pensei que era parva por não me concentrar no que era realmente importante naquela hora e que ter que repetir o suplício do estudo era pura estupidez.
Da incerteza entre duas opções na escolha múltipla. E naqueles testes em que na dúvida pode-se colocar várias opções nunca me correram bem.
Da certeza absoluta de questões repetidas em exames top secret.
Da ira aquando das interrupções da funcionária que entrava na sala sempre que lhe apetecia e nos olhava com desdém e superioridade.
Da impotência e necessidade de rasgar aquelas estúpidas tentativas de avaliação quando algum(a) professora com a extrema mania que é perfeita nos diz “Ah não está no programa deste semestre?! Mas está no do passado, vocês têm que saber isso, sempre!”. Do olhar em volta e perguntar: “Boicote?”.
De ser a primeira a acabar com a sensação: “tá” feito! Para o bem ou para o mal!
De entregar enquanto os olhares de (quase) todos se levantam ao mesmo tempo. E o professor perguntar o tão simpático “correu bem?”, pergunta mais complexa de todas daquele dia. Sorriso e o famoso “mais ou menos. Há algumas que levantam dúvida”, novo sorriso a esticar para o amarelo. O “Não se esqueça de assinar a folha de presenças” nunca faltava antes de sair e a porta fechar atrás de mim com um estilhaço que arrepiava os anjinhos.
A primeira oral, surreal. E era a única a fazê-la. Eu e dois professores numa salinha sem janelas. Descrição dos avaliadores: simplificando, o bom e o mau. Um que fazia perguntas pertinentes, outro que basicamente tentava que eu reprovasse. Ao fim de mais de uma hora o bom fez-me a pergunta mais importante de todas: “basta-te o 10?”. Desta eu tinha toda a certeza, não haviam dúvidas nem rasteiras. “Siiiim!!!” “Então está feito que eu tenho que ir fumar.” O mau não achou piada e ainda fez algum suspense sobre a nota final que só ia ser afixada duas horas depois. Claro que esperei sempre duvidosa porque afinal o mal, muitas vezes, prevalece.
Agora que passaram, foram bons tempos. Estou sempre a dizer que só damos valor às coisas quando elas desaparecem da nossa vida. É verdade.
Há uns tempos comparavam-me a Alcatraz. “Não deixas ninguém entrar, ergues muros impossíveis de transpor. Dificultas muito a vida quando não devias porque no fim a solidão não é boa para ninguém”
Custou-me ouvir. Acabei por concordar que não sou propriamente fácil de abordar mas nunca tinha pensado que as barreiras para chegar até mim eram assim tão profundas.
Hoje a frase mudou. Não veio da mesma pessoa mas mostrou outra perspectiva. “Deixas a janela entreaberta. Quem quiser tem que espreitar e abrir.”
Talvez a primeira tenha contribuído para que algo mudasse. Talvez já tenha começado a destruir um pouco as muralhas. Talvez, algum dia, já não restem ruínas à minha volta. Porque venci-as ou alguém as transpôs.
Nunca consegui ler um livro de poesia do inicio ao fim.
Talvez por respeitar imenso aquilo a que acho ainda superior a uma arte.
Acho que sempre tive medo de estar a invadir o íntimo e a não sentir tão profundamente como devia, talvez por não ter podido vivenciar aqueles sentimentos, de uma só vez.
Tentar escrevê-la é ainda mais complicado. Traduzir por palavras sensações tão profundas, tão sujeitas a interpretações, tão pessoais… É como o poeta conseguisse despir-se de todas as camadas do seu ser até chegar à alma.
Mas os poemas chegam sempre à minha vida na altura certa para fazerem sentido. Pode ser simplesmente a minha visão, interpretação, adaptação mas sinto-os. Acho que a poesia serve para isso mesmo: fazer sentir.
Hoje foi este que me tocou.
I have studied many times
The marble which was chiseled for me--
A boat with a furled sail at rest in a harbor.
In truth it pictures not my destination
But my life.
For love was offered me and I shrank from its disillusionment;
Sorrow knocked at my door, but I was afraid;
Ambition called to me, but I dreaded the chances.
Yet all the while I hungered for meaning in my life.
Queria receber o calendário de chocolate. Abrir uma janelinha a cada dia. E não pelo chocolate.
Houve um ano em que ele se atrasou e comi todos os sinos, azevinhos, presentes, pinheiros, até chegar ao dia certo. Empanturrei-me e arrependi-me. O certo é nunca mais me esqueci. Memórias de um tempo em que o Natal ainda me era mágico.
Desde que tirei a carta que noto que olho muito pelo espelho retrovisor. Acho que é receio de estar a “incomodar” alguém que vem atrás. Tento adivinhar se esse alguém está com pressa e me tenta ultrapassar ou vem descontraído, a passear.
Mas agora descobri uma razão para tal, quase freudiana.
Sempre pensei muito no passado, sou saudosista. Gosto de olhar para trás, relembrar momentos felizes, aprender com os erros…
E agora, num filme (My one and my only) surgiu a frase:
“Nunca olhes para trás. Não interessa o que está atrás de nós mas só para onde queremos ir.”
E tudo fez sentido. De agora em diante vou olhar mais para onde quero ir.
Estão verificadas as condições ideais para a formação de um arco-íris.
Está um sol que irrompe através de nuvens carregadas num halo quase divino e celestial. Chove fugaz e intermitentemente. Nos intervalos há uma humidade que oscila sobre nós na forma de pequenas gotículas que nos refrescam a face, que se acumulam nas pétalas e ramos. Não consigo deixar de afigurar imagens de locais onde poderão estar a acontecer, neste momento, arco-íris. Nos vales, perto das lagoas, em caminhos de terra onde esta não resvala à passagem.
Sempre adorei a sua mística. E não pelo pote de ouro. Antes de me explicarem o fenómeno da refracção da luz e decomposição da luz branca acreditava mais numa história só minha. Não sei como surgiu mas sonhava que seria uma porta para um mundo desconhecido e maravilhoso, como um escorrega para que os anjos descessem directamente do céu, das nuvens, para o “seu refúgio”. Pode parecer ingénuo mas ainda hoje, quando vejo um, ou penso nisso, essa é a imagem que me abraça. E não consigo deixar de acreditar que:
Somewhere over the rainbow
Skies are blue,
And the dreams that you dare to dream
Really do come true.
Detesto quando envio uma mensagem que depreende resposta e esta demora.
Principalmente de alguém que nos faz sorrir sempre.
Sei que pode estar a fazer algo importante ou não ter visto o telemóvel mas mesmo assim o meu olhar e ouvidos estão muito atentos ao pequeno aparelho . Eu também demoro a responder muitas vezes...
Sei que não sabes que este sítio existe mas continuo à espera!
Afinal não era assim tão previsível e gostei bastante.
Mas tive que fazer batota. Mais uma vez não resisti. Quando estou entusiasmada vou à última página e leio uma frase. Às vezes é o suficiente para saber como termina. Outras não, e como volto atrás estou sempre à espera que faça sentido. O chato é que a surpresa pode ser revelada muito cedo e cair na total desilusão, não voltar a ler. Mas nunca me aconteceu, no máximo, tenho que me habituar à situação e ir tentando perceber a razão, o sentido.
Voltando aos Pássaros Feridos, como é um enredo com imensas personagens não dá para haver só uma surpresa. A pluralidade de cenários e de personalidades com descrições precisas e concretas que nos transportam para “lá” faz com que apesar do tamanho não percamos o fio condutor e acompanhemos tudo sem cansar.
Vi que foi adaptado (não sendo totalmente fiel) para uma mini-série dos anos 70 com algumas “lendas” de Hollywood mas não fiquei com vontade de ver. Gosto de guardar a minha visão.
E já comecei no próximo. Decidi regressar aos clássicos. E aquele que nunca me desilude e ainda me faz apaixonar mais: Eça. Descobri uma 5ª edição de 1907 de O Mandarim. Já me estou a deliciar com o português bastante antigo com bem mais apóstrofes do que agora (não arcaico e de fácil leitura até), com papel amarelado e áspero, com a capa rugosa e dura, com cheiro característico que me transporta para outro tempo.