segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Viagens


Adoro toda a antecipação de andar de avião. Desde a chegada ao aeroporto, o check-in sempre a pensar se levo todos os documentos necessários, se o excesso de bagagem será demasiado e a menina simpática faz cara de má e diz “Sabe que tem bagagem a mais. Vai ter que pagar”. Nessa altura penso “M…@! Para a próxima quando a mala deixar de querer fechar é sinal que não posso lhe meter mais nada dentro. Ainda por cima cada quilo que vou pagar dava para comprar mais umas coisinhas que podiam fazer parecer o regresso mais distinto.”

Depois a chegada à sala de embarque em que primeiro que passemos no detector de metais é o terror. É o fecho das botas que apita, os botões das calças de ganga, até os aros do soutien bastam para aquilo apitar e sermos literalmente apalpadas. Tenho sempre a sensação que vou deixar o relógio ou o bilhete naqueles tabuleiros que fazem lembrar a venda de peixe. E quando sou hiper rápida a retirar tudo, a guardar o portátil, a vestir o casaco, dou por mim mais relaxada na zona das lojas, dos cafés – a verdadeira sala de embarque. Onde dá para ver a chegada dos aviões, as pessoas ansiosas da partida, os telemóveis que não param. Já nesta fase estou em alerta, a observar tudo e todos ao mínimo pormenor. A história da sala de embarque desta viagem: um casal já com alguma idade, americanos, falavam sobre o Natal e sobre as decorações de um casal vizinho. Ela dizia que este ano queria uma árvore a sério, de verdade, natural. Ele perguntava: “No jardim?” e ela com um espantado “Não! Na nossa sala. Já não suporto o cheiro a pó que a nossa de plástico deita todos os anos. Quero relembrar o cheiro a Natal e para ser perfeito temos que ter uma árvore a sério”. O senhor não parecia muito convencido. Dei por mim a pensar que uma relação que parecia durar há já alguns anos continua com aquele tipo de divergências, tão mínimas. E eles pareciam entender-se tão bem. Tenho a certeza que iriam encontrar uma solução óptima. Não consegui saber o desfecho porque eles deram as mãos e continuaram a conversa na fila de entrada.

É também na sala de embarque que olho atentamente para ver se reconheço alguém. É quase sempre uma tarefa infrutífera dados os meus escassos conhecidos na terrinha. Desta vez reconheci uma pessoa que me lembrava da escola, mas nem nos aproximamos.

É engraçado também ver que há pessoas que tentam abordar outras. Uma equipa de futebol da 1ª liga a olhar para a reduzida saia de uma menina que se atrapalhava a cada passo com um embrulho enorme. E riam-se imenso. Os dirigentes é que não pareciam contentes com os seus atletas. Não pelos comentários mas pelas queixas de alguns deles de cansaço e fadiga muscular. No tempo deles é que faziam de tudo para jogar, deitavam-se cedo, não reclamavam, davam o litro mas agora esquecem-se de tomar os injectáveis vitamínicos, deitam-se de madrugada e reclamam quer joguem quer fiquem no banco. E faziam questão que as pessoas ouvissem os seus palavrões. Apesar de já estar habituada quando é logo atrás do nosso ouvido torna-se mais estridente mas afinal estamos no norte “carago”.

A entrada propriamente dita para o avião finalmente acontece e a recepção é sempre feita com um sorriso. Já reconheço a tripulação. Pensava que ia ficar à janela mas calha-me um lugar no corredor ao lado de uns velhotes. À minha frente vai um moçoilo lindo, olhos azuis, sorriso descontraído. Ainda pensei em meter conversa mas nestas alturas a coragem falta sempre, impressionante. Mas gostei de pensar que não era só eu que não me incomodava com a excessiva turbulência da viagem, ao contrário da maioria das pessoas se encolhiam nas cadeiras, olhavam para o ecrã nervosas a tentar que o que passava as acalmasse, a procurar um conforto na voz do comandante que de vez em vez falava em português e gaguejava em inglês nem acertando na hora que o relógio que teimava em não andar dava.

Mas o português é uma coisa impressionante. Os meus vizinhos do lado mal sabem que a companhia tem mantas e almofadas pedem logo algumas mesmo quando têm um casaco que rapidamente escondem para não dar tanto nas vistas. E a assistente de bordo já cansada de tantas campainhas distribui mais umas sempre com um sorriso.

Adoro andar de avião. Sinto-me dentro de um sonho, sem espaço nem tempo definido. Adoro por a leitura em dia, sorrir porque o livro me embala, esticar as pernas, enroscar-me na cadeira, dormitar, voltar ao livro, passar para a revista da empresa, pensar, sonhar…

E o comandante anuncia a chegada ao destino. As pessoas tentam todas descobrir terra pelas minúsculas janelas. Eu observo as cabecinhas todas viradas para o mesmo lado excepto o passageiro à minha frente. Este tal como eu parece aliado ao acontecimento. E quando parecia que aquando da aterragem as pessoas se tinham esquecido de bater palmas era puro engano. Se isso se aplicasse a todas as profissões toda a gente batia palmas quando saísse do autocarro, quando saísse do médico, quando acabasse a refeição num restaurante… Passávamos a vida a bater palmas. Será que a tripulação agradece ou acha uma parolice, tal como eu? Pior é baterem palmas quando o trem de aterragem está a sair do compartimento e depois ao aterrar outra vez.

A saída do avião é outro momento. Apercebemo-nos do clima húmido, da brisa molhada, do calor subjectivo e esperamos que a nossa mala seja das primeiras a sair daquela passadeira que teima em não começar a andar. Desta vez a sorte está do nosso lado e saímos rapidamente, a porta automática abre-se e vemos do outro lado uma imensidão de gente ansiosa de abraços. E os abraços chegam e duram por momentos em que parece que acordamos do nosso lugar intocável que a viagem nos transportou.

2 comentários:

  1. Nem vou escrever muito para não contrastar com a qualidade do texto.

    Muito bom, Junto à Janela! Apenas mais um, n'é verdade?

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  2. Ainda hoje relembro essa viagem com carinho :)
    Foi das últimas enquanto estudante numa das visitas a casa e por isso apesar de não ter nada de especial teve um sabor diferente. A nostalgia tem dessas coisas.

    Tenho que voltar a escrever textos assim, grandes, verdadeiros diários.

    Muito obrigada pelas simpáticas palavras.

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