domingo, 8 de maio de 2011

Terra minha



A propósito de uma composição de francês para a minha amiga Só Sedas comecei a escrever sobre a minha terra.
É a minha visão, restrita, íntima. Verdade aos meus olhos. Hoje mas muito da minha infância. E tal não se resume só a isso.


Há quem confunda o sotaque açoriano com a língua francesa.
Sou dos Açores e posso corroborar que as semelhanças são ilimitadas.
Talvez tal se associe ao Pauleta ter imenso sucesso em França e, ao contrário do sotaque espanhol do Ronaldo, o dele ser bastante perfeito.
Sou da ilha do Pauleta, S. Miguel. A maior das nove, a ilha verde. As ilhas têm cores. Diz-se que vistas de cima, do ar, têm determinada característica que lhe confere tal cor. Foram-lhes atribuídas aquando da sua descoberta mas nunca percebi como é que numa época de barcos e naus, não de aviões, se conseguiam ver as ilhas de cima.
Falo no gerúndio sem terminar as palavras até ao fim. Somos tímidos, falamos com a boca fechada e com os lábios contraídos como se fossemos dar um beijo. Apelidam-nos de distantes, temos um bocadinho essa personalidade enquanto não conhecemos. Logo que possa confiar deixo-me levar.
Estou habituada aos outros virem passar férias na terra onde vivo. Convivo com as máquinas fotográficas a tiracolo, a flashes que tentam reproduzir algo único mas que já não me apercebo da sua presença. Arrepio-me com as t-shirts dos nórdicos no Inverno, não habituados ao clima imprevisível de chuva de manhã e sol à tarde, de humidade sufocante e ventos propícios a ondas pouco favoráveis a banhos.
O mar é visto de qualquer lado para onde nos viremos. O azul com rebentação branca contrasta com a areia escura. Basalto, usado tanto na calçada como em jóias. As piscinas naturais são cuidadosamente esculpidas com o escopro precioso na mão das marés temperamentais.
As paisagens verdejantes são pintalgadas por branco e preto. As vacas guiam-se pelo seu próprio destino. Nos planaltos, nos vales, nas pastagens, nas ruas interrompidas pela sua pachorrenta marcha. Interrompem também quem por ali passa, desaceleram a agitação.
As lagoas têm lendas que se contam aos netos na porta de casa, abertas, com a chave do lado de fora, para  que comam a papa toda do lanche, para que se distraiam.
Os vulcões expelem água fervilhante onde são confeccionadas refeições para famílias inteiras que piquenicam ali mesmo, à sombra do verde, no cheiro a enxofre, no colorido das hortênsias e azáleas que nos guiam através de vales tortuosos, onde os mapas pouco ajudam a desorientação de quem navega pela primeira vez.
Não estamos parados no tempo, imbuídos na nossa solidão. Temos um passado de isolamento que nos faz ter a independência e subsistência como valores.
Gosto do olhar surpreso de quem me visita. De quem não estava à espera do resultado. De quem se surpreende a cada passo, a cada olhar, em cada direcção. Não me canso de pensar que as palavras não conseguem ser fiéis à realidade.

3 comentários:

  1. LINDO! O teu melhor texto até hoje. Adoro o amor que sentes pela tua terra (comosabes, o meu anda repartido entra várias).

    Quae que me fizeste chorar... e ter saudades de ai voltar!

    Beijo!

    PS: A composição um já cá canta. Vamos á segunda...

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  2. Nunca me disse grande coisa dar um salto até às ilhas (apesar de ser bastante viajado por Portugal continental), mas depois de ler o teu belo texto fiquei com curiosidade para visitar o arquipélago. Talvez um dia mais tarde...

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    Respostas
    1. De uma forma completamente imparcial digo-te que não te arrependerás :)

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