Depois de um dia como o de ontem,
arreliada com qualquer coisa indecifrável, acabei por me deitar cedo. A dor de
cabeça iria certamente passar mal pousasse a cabeça na almofada. Normalmente
não acontece mas podia tentar mais uma vez. Queria que acabasse depressa e o
novo dia ia amanhecer lindo e sem preocupações, idealizava.
Duas horas depois acordo com a
dor bem pior e com uma tensão cervical. Não hesito e vou ao paracetamol. Aquela
sensação não iria perdurar.
Deitada novamente não tardei a
adormecer mas a noite piorou. O paracetamol, com alguma propriedade alucinogénia,
fez-me sonhar contigo.
Já não o acontecia há algum tempo. Mesmo aquando do teu aniversário esquecido há poucos dias.
Não sei como conseguimos combinar
alguma coisa porque cortamos o contacto mesmo que não o assumamos. Foste tu
quem me contactou porque a minha promessa manter-se-á, mesmo em sonhos.
Esperei-te em Lisboa, numa
esquina, sem saber bem se estava no local certo. Chegaste e pegando-me no pulso conduziste-me a passos
largos por uma Lisboa bem diferente da que conheço. Perguntaste-me se estava
nervosa e num riso de miúda a quem prometem doces assenti energicamente. Tu
confessaste-o também. Nunca te tinha visto assim, tu que foste sempre tão
tranquilo. Estavas igualmente triste, um rosto carregado, como nunca te vi.
Perguntei-te pela C. e, como que a
querer libertar um naco na garganta que te impede de respirar disseste-o logo: a C. está
grávida. Desabei, o meu coração despedaçou-se mas sorri e parabenizei-te.
Levaste-me para um prédio antigo.
Enorme. Fomos tomar café ao que parecia ser uma biblioteca misturada com
escritórios manhosos onde aparentemente te conheciam.
Eu pedi um chá que não chegou a vir. Pensei que devias beber o mesmo, um café não te ia fazer bem. Olhei a madeira em volta. Tornava o ambiente escuro mas não tanto como a minha alma se sentia.
Falamos sobre trabalho. Não muito.
Com a surpresa não fui a habitual faladora que sou quando estou nervosa. A tua
expressão não mudou.
Saímos dali. Decidimos ir ao
cinema. Não num centro comercial. Um antigo, de rua. Talvez um teatro onde passam filmes. Daquele pseudo-intelectuais como tu gostas. Talvez porque podias encarar o ecrã em vez de mim. Num estado ainda
mais nervoso parecia que antecipavas alguma coisa. Foi a chegada da C.
Apesar de não superar o espanto
inicial acordei. Conseguia ouvir o meu coração bater acelerado. Respirei de
alívio pois esse pesadelo não iria continuar. Estava errada. Mal adormeci
novamente continuou e no local que tinha terminado.
Não havia bilhetes para o filme
que queríamos ir ver. No caminho para a sugestão da C., enquanto seguias
sozinho enquanto eu e ela conversávamos de trivialidades que eu não prestava
atenção, brincaste com uns miúdos na rua. Pensei que serias um bom pai. Nunca tinha pensado em tal. Talvez porque sempre te imaginei comigo.
Chegados a uma fábrica,
supostamente uma galeria de arte, falaste baixinho com a C. e desapareceste sem eu me
aperceber e sem te despedires de mim.
Só queria sair dali mas sentia-me
presa, sem forças para ir.
Do nada, aparece o meu irmão. Com
a sua personalidade radiosa e a sua boa disposição. Ele que nunca soube da
nossa relação. E nem sei se conhece a C.
Desanuviou a nuvem que me
perseguia. Falou com a C., com os trabalhadores da fábrica, arranjaram-nos uma
visita guiada. Continuava apática. E acordei.
Finalmente, e num medo de
voltar ao pesadelo não dormi mais. Não fechei mais os olhos na probabilidade de voltar a
adormecer e voltar (a ti).
No fundo não sei o que significa. Talvez saiba. É o
fim que já o foi. Já refizeste a tua vida ao lado da C. Nada de novo. Mesmo
assim a visão supérflua de te tornar a ver era dispensável.
Tenho a cabeça cheia, uma dor de
um murro no estômago, com um aperto no coração que me afeta a respiração, ferida, letárgica.